quinta-feira, 25 de junho de 2009

Borges e a Matemática

Borges e a Matemática
Edição/reimpressão: 2006
Páginas: 252
Editor: AMBAR
ISBN: 9789724310671

Sinopse


Jorge Luís Borges é um dos escritores mais conhecidos e venerados em todo o mundo, quase uma figura mítica, referência de escritores, poetas, filósofos e até cientistas. ·Neste livro, Guillermo Martínez (autor do romance Crimes Imperceptíveis, publicado pela Ambar) faz um rastreio dos elementos de matemática presentes na obra de Jorge Luís Borges e demonstra a articulação profunda dos mecanismos de abstracção e de estruturação lógica nas suas narrativas. O autor é romancista e matemático. Por entre o humor e a extrema atenção às necessidades dos não-iniciados nas ciências exactas, ele conduz-nos - através de textos fundamentais como "O Aleph", "A Morte e a Bússola" e "A Biblioteca de Babel" - através dos paradoxos da produção de Borges. Martínez guia os leitores com a máxima simplicidade, mas sem perder nunca a profundidade, através dos diálogos secretos entre o grande escritor argentino e personagens da dimensão de Pascal, Russell e Poe.

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Na realidade o número de sorteios é infinito. Nenhuma decisão é final, todas se ramificam noutras. Os ignorantes supõem que infinitos sorteios requerem um tempo infinito; em verdade, basta que o tempo seja infinitamente subdivisível, como o ensina a famosa parábola do Certame com a Tartaruga. Essa infinitude condiz admiravelmente com os sinuosos números do Acaso e com o Arquétipo Celestial da Loteria, que os platônicos adoram...

Jorge Luís Borges, "A loteria da Babilônia"

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A linha consta de um número infinito de pontos, o plano, de um número infinito de linhas; o volume, de um número infinito de planos, o hipervolume, de um número infinito de volumes...

Jorge Luís Borges, "O Livro de Areia"

Jorge Luís Borges, "O Aleph"

Na parte inferior do degrau, à direita, vi uma pequena esfera furta-cores, de brilho quase intolerável. Primeiro, supus que fosse giratória; depois, compreendi que esse movimento era uma ilusão produzida pelos vertiginosos espectáculos que encerrava. O diâmetro do Aleph seria de dois ou três centímetros, mas o espaço cósmico estava ali, sem diminui ção de tamanho. Cada coisa (o cristal do espelho, digamos) era infinitas coisas, porque eu a via claramente de todos os pontos do universo. Vi o populoso mar, vi a aurora e a tarde, vi as multidões da América, vi uma prateada teia de aranha no centro de uma negra pirâmide, vi um quebra do labirinto (era Londres), vi intermináveis olhos próximos perscrutando em mim como num espelho, vi todos os espelhos do planeta e nenhum me reflectiu, vi num pátio da Rua Soler os mesmos ladrilhos que, há trinta anos, vi no saguão de uma casa de Fray Bentos, vi cachos de uva, neve, tabaco, listas de metal, vapor de água, vi convexos desertos equatoriais e cada um dos seus grãos de areia, vi em Inverness uma mulher que não esquecerei, vi a violenta cabeleira, o altivo corpo, vi um cancro no peito, vi um círculo de terra seca numa vereda onde antes existira uma árvore, vi numa quinta de Adrogué um exemplar da primeira versão in glesa de Plínio, a de Philemon Holland, vi, ao mesmo tempo, cada letra de cada página (em pequeno, eu costumava maravilhar-me com o facto das letras de um livro fechado não se misturarem e se perderem no decorrer da noite), vi a noite e o dia contemporâneo, vi um poente em Querétaro que parecia reflectir a cor de uma rosa em Bengala, vi o meu quarto sem ninguém, vi num gabinete de Alkmaar um globo terrestre entre dois espelhos que o multiplicam indefinidamente, vi cavalos de crinas redemoinhadas numa praia do mar Cáspio, na aurora, vi a delicada ossatura de uma mão, vi os sobreviventes de uma batalha enviando bi­lhetes-postais, vi numa vitrina de Mirzapur um baralho espanhol, vi as sombras oblíquas de alguns fetos no chão de uma estufa, vi tigres, êmbo los, bisontes, marulhos e exércitos, vi todas as formigas que existem na terra, vi um astrolábio persa, vi numa gaveta da escrivaninha (e a letra fez-me tremer) cartas obscenas, claras, incríveis, que Beatriz dirigira a Carlos Argentino, vi um adorado monumento na Chacarita, vi a relíquia cruel do que deliciosamente fora Beatriz Viterbo, vi a circulação do meu escuro sangue, vi a engrenagem do amor e a modificação da morte, vi o Aleph, de todos os pontos, vi no Alpeh a terra, e na terra outra vez o Aleph e no Aleph a terra, vi o meu rosto e as minhas vísceras, vi o teu rosto e senti vertigem e chorei, porque os meus olhos tinham visto esse objecto secreto e conjecturai cujo nome os homens usurpam, mas que nenhum homem olhou: o inconcebível universo.

Senti infinita veneração, infinita lástima.


Jorge Luís Borges, "O Aleph"

in http://www2.fcsh.unl.pt/borgesjorgeluis/textos_borgesjorgeluis/textos1.htm